Em regra a exportação é uma atividade desejada por um país, tanto no aspecto político quanto econômico e tributário, uma vez que seu incremento indiscutivelmente fomentará empregos e receita, tanto para particular quanto para Governo.
No Brasil não é diferente, tanto que nossa Constituição em diversos artigos, desonera a atividade exportadora com o objetivo de aumentar a competitividade de nossos produtos no exterior.
Temos inúmeras regras que impedem a incidência de impostos sobre as exportações, dentre elas a do IPI (art. 153, §3º, III), ICMS (art. 155, §2º, X) as contribuições sociais (art. 149, §2º, I), revelando o claro interesse do Estado no incentivo das exportações.
As previsões constitucionais proibindo incidência de impostos são definidas como imunidades, conceito que utilizaremos a partir de agora.
Contudo, a Receita Federal vem onerando a atividade exportadora, em movimento contrário ao que a própria Constituição prescreve, mais precisamente no momento em tributa a transmissão onerosa de créditos de ICMS.
Assim sendo, passemos a análise de mais alguns conceitos antes de discutir melhor o tema.
Créditos de ICMS
O ICMS é conhecido como imposto não cumulativo e normalmente embutido no preço de venda. A não cumulatividade autoriza abater o que já foi pago a título de ICMS na próxima operação em que o produto estiver.
A exportação, como mencionado, é imune a incidência do ICMS, ou seja, não haverá o imposto na venda da mercadoria, assim como o poderá a empresa abater os valores previamente pagos a título de tributo.
Se por exemplo, a empresa tiver unicamente como atividade a exportação? O aproveitamento do crédito (não cumulatividade) é direito do contribuinte.
O crédito é apurado em cada estabelecimento, para garantir direito ao aproveitamento, a legislação, a partir de 1996, autorizou o contribuinte a ceder seus créditos a outro estabelecimento que possua ou a terceiros.
Veja o que fala a lei (art. 25, §1º, I e II, Lei Kandir):
“§ 1º Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do art. 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento:
I – imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;
II – havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito”.
Estabelecidas essas premissas, passemos a análise do que a receita vem entendendo como motivo para tributação do PIS/COFINS na transferência onerosa dos créditos ICMS (venda).
PIS e CONFINS
O PIS e a COFINS são tributos incidentes sobre o total de receitas brutas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. (Já escrevemos sobre PIS e COFINS aqui)
A receita tributável possui diversos conceitos, não podendo ser confundida receita para fins contábeis e para fins tributários. A contabilidade é utilizada para fins tributários, assim deverá seguir princípios e regras próprios desse ramo do Direito.
Assim sendo, independente da definição que se dê contabilmente para os créditos de IMCS, esses não poderão ser considerados como receita da empresa, seu efeito econômico seria o de recomposição de custos[1].
Mesmo que fosse possível considerar os créditos acumulados ou transferidos a terceiros como receita, não seria possível a tributação em função da imunidade prevista na Constituição (art. 149, §2º, I).
“§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;”
Ou seja, seriam receitas imunes por se originar na exportação.
Posição do Fisco
O Fisco vem autuado as empresas que têm aproveitado dos créditos de ICMS exportação.
Os argumentos utilizados em síntese são:
- a ‘venda’ dos créditos de ICMS constitui receita da empresa, portanto deve ser tributada por meio do PIS e a COFINS nos termos da legislação destes últimos;
- as contribuições sociais (PIS e COFINS) não estão inclusas nas imunidades previstas na CF – neste caso argumentam no sentido de que não há expressamente menção aos artigos destes tributos;
- por fim, na esteira do argumento anterior, alegam não existir lei especifica impedindo a tributação da operação, portanto não haveria como se isentar o pagamento do tributo.
Entendo que a argumentação mesmo tendo sido apresentada de forma bem estruturada não possui sustentação jurídica para obter decisões favoráveis no judiciário.
O Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido que entendemos correto e que está previsto na Constituição, mais precisamente, que a exportação deve ser incentivada e os créditos são aproveitáveis e podem ser transferidos.
Mas por que seriam os créditos aproveitáveis e não tributáveis?
São aproveitáveis por ser direito do contribuinte a possibilidade de aproveitamento nas exportações (art. 155, §2º, X, ‘a’), assim sendo, com previsão legal não haveria como se argumentar em sentido contrário.
Neste mesmo sentido entende-se não ser tributáveis, pois, o ICMS não é receita da empresa, trata-se de um ônus econômico – geralmente o contribuinte é mero arrecadador do governo – portanto não faria sentido tributar sua cessão, bem como pela existência da imunidade prevista na Constituição.
A cobrança do tributo na sua cessão anularia a existência do incentivo à exportação, haveria uma simples troca, ao invés de tributar a exportação, seriam tributados os créditos originados da mesma.
Nas palavras da juíza Vânia Hack de Almeida: “retira da imunidade seu pleno alcance […] estar-se-ia dando com uma mão e retirando com outra”.
Na exportação a alteração patrimonial tributável ocorre no momento da concretização da exportação, momento em que o empresário também adquire o direito de dispor do crédito de ICMS, sua transferência posterior não ocasionará aumento patrimonial, apenas a realização do crédito.
O CARF
Quanto ao CARF (já tratamos sobre alguns aspectos do órgão nesse artigo), de forma acertada se posicionou conforme a tese estabelecida pelo STF, proibindo a cobrança de PIS e COFINS sobre a venda dos créditos de IMCS a terceiros.
Deve-se lembrar que o saldo acumulado de crédito de ICMS exportação só estará disponível para ‘comercialização’ após a saída da mercadoria com destino ao exterior, nos termos da LC 87/96.
Mesmo com decisões no sentido da possibilidade de cessão dos créditos será sempre possível que o contribuinte se depare com fiscalizações e autuações no sentido de se tributar a cessão onerosa do ICMS, o empresário não deve se intimidar e buscar se resguardar seja administrativa ou judicialmente.
[1] MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 218-9.